Diferente das sociedades empresárias limitadas, as sociedades anônimas não possuem a expressa possibilidade de distribuição desproporcional de seus lucros apurados, os chamados dividendos. Enquanto nas sociedades empresárias limitadas, havendo disposição contratual expressa, é possível que se faça uma distribuição desigual entre os sócios, nas sociedades anônimas subsiste uma grande discussão acerca da possibilidade ou não e, entendendo-se possível, como operacionalizar a dita distribuição desproporcional dos dividendos.
A importância da possibilidade ou não é enorme, uma vez que possibilitaria investimentos mais rentáveis àqueles investidores especulativos, possibilidade de planejamentos societários e patrimoniais bem detalhados entre outras aplicações práticas. Nesta toada, a matéria foi levada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o qual foi instado a decidir sobre a possibilidade ou não da distribuição desproporcional, bem como aos órgãos administrativos como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) onde foram discutidos os aspectos fiscais/tributários da operação.
Insta salientar, antes da análise da jurisprudência, que a possibilidade de distribuição desproporcional de dividendos não é vedada pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei Federal nº. 6.404/76), sendo vedada apenas a distinção de qualquer natureza entre as ações da mesma classe. Portanto, ao instituir classes diferentes de ações, valendo-se, principalmente, das ações preferenciais, é possível atribuir a estas vantagens patrimoniais, geralmente acompanhadas de desvantagens políticas. Na prática, existe uma espécie de trade-off, no sentido de que atribui-se a estas ações preferenciais vantagens patrimoniais, como o dividendo fixo ou mínimo, cumulativo ou não, em detrimento do direito de voto em determinadas matérias. Importante ressaltar que não se trata de situação mandatória, sendo possível que uma ação preferencial detenha ambas as preferências supracitadas.
Em primeiro plano, no STJ nos autos do REsp nº. 267.256, de relatoria do Min. Cesar Asfor Rocha, concluiu que a possibilidade de distribuição dos dividendos remanescentes, isto é, após contemplados os dividendos preferenciais e o mínimos obrigatórios, poderá ser operada a distribuição às ações preferenciais que já tenham recebido seus dividendos, todavia, a hipótese deverá estar descrita no estatuto social da companhia, pautando-se pelos princípios da precisão e da minúcia da norma estatutária. No mesmo sentido, o REsp nº. 642.611, de relatoria do Min. Hélio Quaglia Barbosa, constatou a existência de norma estatutária que não permitia, de maneira expressa e minuciosa a distribuição desproporcional às ações preferenciais. Percebe-se, da análise de ambos os acórdãos, que a possibilidade da distribuição desproporcional dos dividendos é uma combinação da existência das ações preferências com vantagem patrimonial (de uma ou mais classes), bem como a existência de regulação estatutária sobre a distribuição do dividendo.
Corroborando com a tese acima esposada, o CARF julgou o processo nº. 10920.000372/2007-92, em sessão de 24 de agosto de 2011, onde o FISCO autuou um acionista de determinada companhia o qual recebia dividendos desproporcionais, com o argumento de que sobre a parcela recebida desproporcionalmente deveria incidir o Imposto de Renda Pessoa Física. O CARF, acertadamente rechaçou a possibilidade, uma vez que não incide o referido imposto sobre a distribuição de dividendos, seja ela desproporcional ou não.
Por fim, entende-se que tanto pela análise dos institutos que permeiam a distribuição dos dividendos, bem como das recentes decisões dos tribunais e órgãos administrativos analisados, que a distribuição desproporcional dos dividendos nas sociedades anônimas é plenamente possível, desde que haja uma combinação entre o correto uso das ações preferências com vantagem patrimonial (de uma ou mais classes) com a elaboração minuciosa e precisa das normas estatutárias que disponham sobre a distribuição dos dividendos.