Anteriormente à entrada em vigor do Código Civil Brasileiro promulgado pela Lei Federal nº. 10.406/2002 (“CC/2002” ou “Código”), os cônjuges e companheiros não eram herdeiros entre si. Regra geral, a vontade manifestada pelo casal na celebração do casamento, quanto ao regime de bens, deveria prevalecer no momento do falecimento de qualquer dos cônjuges.
O CC/2002 inovou radicalmente o Direito das Sucessões. De acordo com a “nova” regra, o cônjuge sobrevivente passou a ser considerado “herdeiro necessário” em “concorrência” com os demais herdeiros do falecido (Art. 1.845 CC/2002). Tal inovação legislativa produziu modificações práticas bastante significativas nas regras aplicáveis à divisão do patrimônio familiar em caso de sucessão.
O curioso é que, mesmo após 15 anos do início de vigência do Código, existe ainda bastante desconhecimento sobre os impactos patrimoniais que o CC/2002 produziu no tocante ao direito a herança e à divisão do patrimônio na sucessão.
É comum, em nossas palestras, nos depararmos com reações curiosas do público ao explicamos o efetivo alcance das modificações introduzidas pelo CC/2002 no Direito das Sucessões, principalmente, quando tratamos daquelas situações envolvendo bens particulares de cada um dos cônjuges, ou seja, os bens adquiridos por apenas um dos cônjuges com recursos próprios ou através de doação ou por herança. A grande maioria das pessoas ainda guarda o conceito (-equivocado-) de que as regras previstas no CC/2002 para o regime de bens do casamento e a separação/divórcio também deverão ser aplicadas para a hipótese de falecimento do titular do patrimônio.
De acordo com o Art. 1.829 do CC/2002, a sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (i) aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no caso da separação obrigatória de bens, ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (ii) aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; (iii) ao cônjuge sobrevivente.
Como se vê, a redação do texto legal é confusa e pouco esclarecedora, de modo que, o único ponto incontestável é o fato que, além do direito à meação (50%) dos bens comuns do casal, o cônjuge sobrevivente também passou a ser considerado herdeiro necessário em concorrência com filhos ou pais do falecido, conforme o caso, no que se refere aos demais bens da herança do falecido. Ou seja, aqueles bens particulares que o cônjuge não teria direito em caso de separação/divórcio, ele (cônjuge sobrevivente) terá direito na sucessão e em caso de falecimento do titular do patrimônio, concorrendo com os filhos ou pais do falecido, conforme o caso.
As dúvidas e os argumentos são infindáveis. Entretanto, abordaremos aqui apenas duas das principais questões: o direito à herança do cônjuge casado sobre o regime da separação (convencional) de bens; e o direito à herança do cônjuge casado sob o regime da comunhão parcial de bens.
No caso dos cônjuges casados sob o regime da separação convencional de bens, a interpretação literal do texto legal conduz ao entendimento de que o cônjuge sobrevivente terá direito à herança do falecido em concorrência com os demais herdeiros do falecido. Importante destacar que, neste cenário, o cônjuge que não teria direito algum ao patrimônio do outro cônjuge em caso de separação (tendo em vista o regime do casamento) passará a ter direito a uma parcela considerável do patrimônio particular deixado pelo falecido.
Já, no caso da comunhão parcial de bens, o entendimento majoritário é no sentido de que o cônjuge sobrevivente terá direito a 50% dos bens comuns do casal a título de meação e concorrerá em igualdade de condições com os demais herdeiros necessários do falecido com relação aos bens particulares deixados pelo falecido.
O problema é que a mesma lei é aplicável para aqueles casais que permaneceram casados por um longo período de tempo (30, 40, 50 anos) e para cônjuges casados há apenas alguns dias ou meses. A regra sucessória vigente não leva em consideração o tempo decorrido entre o casamento e o falecimento. Caberá ao Poder Judiciário interpretar a lei de forma a evitar abusos e injustiças.
Como visto, a questão da divisão patrimonial e herança dos cônjuges é assunto dos mais complexos, motivo pelo qual, a partir da vigência do CC/2002 as questões relacionadas ao planejamento sucessório passaram a ser ainda mais relevantes para a preservação e administração do patrimônio familiar.
Nesta linha, alertamos para o fato de que os planejamentos sucessórios deverão levar em conta algumas premissas fundamentais: análise criteriosa do caso concreto da família; análise dos diferentes tipos de bens, direitos e obrigações que compõem o patrimônio familiar; veículos jurídicos a serem utilizados na estruturação do projeto e demais peculiaridades da família (cônjuges, filhos, genros, noras, netos etc.).
É fundamental que o projeto de planejamento sucessório seja elaborado e conduzido por profissional qualificado e especializado no assunto, uma vez que, em muitos casos, um planejamento sucessório mal executado poderá até ser pior do que a sua inexistência.
A estruturação do projeto de planejamento sucessório via holdings, administradoras de bens e acordos de família poderá trazer relevantes benefícios para a preservação do patrimônio familiar, evitando inúmeros problemas futuros que poderiam ser originados quando da sucessão do patriarca/matriarca do grupo familiar, bem como nas hipóteses de casamento, união estável, separação e sucessão de filhos e demais herdeiros.
Além disso, um projeto de planejamento sucessório adequado também poderá resultar em benefícios tributários bastante significativos para os herdeiros na sucessão, principalmente, no que se refere à base de cálculo do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) incidente sobre a herança a ser repartida entre os herdeiros. Por exemplo, basta levar em consideração que na sucessão direta de bens imóveis, regra geral, a base de cálculo do ITCMD será o valor de “referência” dos imóveis (equiparado ao valor de mercado do bem) enquanto que, na sucessão de quotas ou ações não negociadas em Bolsa (como é o caso, por exemplo, da grande maioria das holdings familiares), a base de cálculo do imposto será o valor patrimonial das quotas/ações a serem repartidas entre os herdeiros, conforme previsto na legislação do ITCMD.
Não existe fórmula ou projetos “de prateleira” para a estruturação do patrimônio familiar e do planejamento sucessório. O que vale é o estudo específico de cada caso, tendo em vista, que o formato que funciona para um determinado grupo familiar poderá não funcionar (ou até produzir efeitos negativos) para outro grupo familiar. O profissional responsável pela execução do projeto deverá levar em consideração todas as particularidades e peculiaridades de cada grupo familiar.
Vale destacar que não basta simplesmente construir uma “holding” para que se alcance os benefícios pretendidos – o projeto é muito mais complexo e requer outros cuidados adicionais. O planejamento sucessório responsável e eficiente deve levar em consideração todas as premissas que nos referimos neste texto. Isso parece óbvio, mas é muito comum recebermos consultas de famílias que, assessoradas de forma inadequada, acabaram por constituir estruturas jurídicas ineficientes e sem qualquer critério. O pior é que este tipo de procedimento acaba por tornar muito mais complexa e onerosa a correção dos erros e a “reestruturação” do patrimônio familiar para torná-lo eficiente e protegido.