A Receita Federal autuará as pessoas físicas que, após regularizarem offshore no exterior pelo programa de repatriação, pagaram até 22,5% de Imposto de Renda (IR) sobre o valor decorrente da extinção da sociedade, por considerar o dinheiro devolvido como “ganho de capital”. Segundo a Solução de Consulta da Coordenadoria-Geral de Tributação (Cosit) da Receita nº 678, o montante restituído é “rendimento”.
Nesse sentido, conforme a orientação, todos os fiscais do país devem cobrar a alíquota progressiva de IR, de até 27,5%. E como esses valores no exterior são vultosos, a diferença de 5% pode ser enorme.
Apesar de terem pago 15% de Imposto de Renda e 15% de multa, dentro das exigências da Lei da Repatriação (Lei nº 13.254, de 2016), após a liquidação da offshore, os sócios correm o risco de ter que remunerar o Fisco com a diferença de IR, mais multa de 75% sobre o valor que deixaram de recolher.
As offshore são empresas normalmente registradas em países com baixa tributação e sigilo bancário. Por isso, geralmente, são usadas para se fazer investimentos em moeda estrangeira, com menor carga tributária. O sócio pode beneficiar-se em razão da variação cambial ou do resultado positivo de aplicação financeira, por exemplo.
Segundo especialistas em tributação, muitos dos casos de adesão ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) – a repatriação – são de sócios de offshores. Na primeira rodada da repatriação, realizada em 2016, a Receita arrecadou R$ 50,9 bilhões.
A solução de consulta foi editada com base no caso do sócio de uma empresa localizada em São Vicente e Granadinas, país de tributação favorecida do Caribe. Ele regularizou a propriedade de ações da empresa por meio do RERCT, mas decidiu dissolver a sociedade e restituir a si próprio no Brasil o patrimônio líquido.
Segundo a solução de consulta, “a devolução de capital, correspondente à participação acionária regularizada no âmbito do RERCT, de pessoa jurídica situada no exterior, recebida por pessoa física residente no Brasil, transferidos ou não para o país está sujeita à tributação sob a forma de recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), no mês do recebimento, e na Declaração de Ajuste Anual, calculados conforme a tabela progressiva mensal e anual, respectivamente”.
Tributaristas foram surpreendidos com o entendimento do Fisco. Contudo, afirmam que sócios nessa situação autuados pela Receita têm grandes chances de se livrar da penalidade na Justiça.
Segundo Homero Barbosa, do BMA Advogados, o mercado sempre entendeu que nesses casos a tributação é a de ganho de capital. “Ou seja, deve ser aplicado de 15% a 22,5% de IR sobre o valor decorrente da liquidação, subtraído o custo do investimento na empresa estrangeira”, diz. A alíquota sobre ganho de capital varia de acordo com o quanto se ganhou. Para ganhos a partir de R$ 30 milhões, é de 22,5%. Já as alíquotas progressivas variam de 0% a 27,5%.
Para a Receita, na devolução de capital de pessoa jurídica no exterior em dinheiro, após a extinção da empresa, não haveria ganho de capital por não existir alienação. O Fisco alega que o montante devolvido é rendimento porque o capital não deixa de ser de propriedade do acionista.
Já a advogada Isabela Frascino, do Levy & Salomão Advogados, afirma que o valor devolvido deixou de ser de propriedade do sócio na integralização de capital na sociedade, porque esta tem personalidade jurídica diferente do acionista. “Além disso, a liquidação é considerada uma espécie de alienação”, diz.
Em uma eventual ação judicial contra autuação fiscal, segundo a tributarista, o sócio pode basear-se no artigo 24, da Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001. O dispositivo trata o montante decorrente de liquidação como ganho de capital. O sócio autuado também pode se defender com base na Solução de Consulta Cosit nº 131, de 2016, conforme o advogado Alexandre de Barros Rodrigues, do escritório Fagundes Pagliaro Advogados. A solução trata de empresa no Brasil mas determina que, na dissolução parcial de sociedade, com devolução de capital em dinheiro, a parte que exceder o custo de aquisição da participação acionária deve ser tributada “segundo a natureza de cada conta componente do patrimônio líquido”.
“Na prática, isso quer dizer que somente o que constar como lucro no balanço da empresa deve ser tributado como rendimento. O aumento do capital social decorrente da variação cambial é ganho de capital”, diz Rodrigues.
Laura Ignácio, Valor Econômico – Caderno de Legislação & Tributos – 08/01/2018.
Entrevista concedida pelo sócio Alexandre de Barros Rodrigues ao Valor Econômico.